Brasil! Brasil!
Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada
Arlindo Fagundes
Editorial Caminho
Coleção , nº10
320 pp
sob consulta
Resumo/Apresentação
Nas vésperas de abolição da escravatura no Brasil toda a gente discutia e tomava partido, uns a favor do fim rápido para aquela vergonha, outros garantindo que sempre tinha havido escravos e que tinha de continuar a haver. Orlando, Ana e João mergulham nessa época e são obrigados a enfrentar situações complicadas no Rio de Janeiro e numa magnífica propriedade, uma fazenda de café onde os escravos ansiavam pela liberdade. Alguns tentaram a fuga pela calada da noite depois de uma baile fantástico oferecido pelos donos de casa a muitos convidados, entre os quais Ana, João e Orlando... Com missões especiais.
(ISBN) 9789722107402
Excerto do Livro
«— O que é isso, Elias? Está doente? Ele não respondeu logo. Exausto, arfava deitado de costas sobre as almofadas. Demorou um bom pedaço a recuperar. Depois falou. Tinha perdido a cor, a voz enrouquecera e os olhos vagueavam, tristes e desbotados. — Tuberculose — disse por fim. — O mal do século. Não sei quanto tempo de vida me resta. Ana e João entupiram, estarrecidos. Nenhum deles sabia o que dizer. Mas o jornalista reagiu, retomando a palavra com um sorriso doce. — Não fiquem assim. Afinal de contas todos temos de morrer um dia e em boa verdade ninguém sabe ao certo de quanto tempo dispõe... Levantou-se, abriu a janela de par em par e inspirou fundo. — Não levo a doença ao trágico. Procuro até não pensar nisso. Só me aflijo quando me lembro que talvez não consiga realizar o meu sonho secreto. Os dois irmãos entreolharam-se hesitantes. Deviam perguntar que sonho era esse, ou ficar calados? Talvez o homem precisasse de desabafar e nesse caso parecia-lhes pouco delicado não mostrarem interesse. Mas se se tratava de um segredo... Elias percebeu o que lhes ia na alma. — Embaracei-os, desculpem. Pegou na caixa de madeira e fê-la chocalhar. As moedas saltitaram provocando uma musiquinha alegre. — Sabem que escrevo artigos no jornal para agitar as consciências. E pertenço a uma sociedade onde todos lutam pela abolição da escravatura. Mas isso não me chega. Gostaria de comprar a liberdade de um escravo antes de morrer. Já que não casei nem tive filhos, era a maneira de deixar outro homem no meu lugar. Um homem livre que possa e saiba gozar a vida. Os olhos luziam de novo, brilhantes, febris.
— Esta caixa é o meu tesouro — concluiu. — Já arrecadei uma bela maquia. Ana olhou em volta, inquieta. Seria prudente falar assim? A janela estava escancarada, portanto quem passasse na rua podia ouvir. Além disso o quarto comunicava com a loja. Do outro lado também podiam estar à escuta. A palavra tesouro tem efeitos muito especiais nos ouvidos humanos... Não se atreveu a dar conta das suas inquietações mas sentiu um calafrio, uma espécie de mau pressentimento, e advertiu: — Tenha cautela... olhe que não sei se estamos sozinhos...»
(in Brasil! Brasil!, pp. 39-40)